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quinta-feira, dezembro 23, 2004

um lugar

existe um lugar em B, na contiguidade do espaço, parecido com o teu… Já pensei em subir àquele andar e marcar a minha existência, caixa de música que nunca soube o compasso de espera que deixaste pendurado nos beijos improvisados. Nos toques e resvalos de corpo que nunca contaremos aos nossos pais. Ao mundo, mundo feito de vidro amarelo e transparente. Já pensei em subir aquele andar e bater à porta, mas será que tu virias aqui abrir aquela porta que não é a tua? Apenas parecida. Ao lado. Vazia e fixa também. Fechada e aberta, raio de visões encrostadas nos pormenores. Esquecida. Não minha. Azul.

sei que não me ouves, que não me vês, que não me escreves. Todavia, eu sei que ainda hei-de ensinar à matéria-prima dos pássaros do sul, aos gestos inaugurais e da luz repartida, quebrada em espirais e lusofonias que nunca traduziste nos pares de mãos que sempre souberam, entenderam sempre, sempre escutaram, o nome. O nome que há-de, acabado o frio vertical, o silêncio rectilíneo e a voz por redesenhar, vir poisar nos lábios ameaçados já de contingência musical. Num verbo: eu hei-de gritar ante de ti e do teu olhar. Na ponta dos dedos que dançam nos teus olhos e também nos meus. Num gesto que sei que depois vais desmentir. Deixa-me mentir já por ti: não te amo.


quarta-feira, dezembro 01, 2004

apenas

Hoje não é um bom dia para ficar sozinho. Apenas e só. Só.


terça-feira, novembro 30, 2004

no início da palavra

Vou guardar o início da palavra para mim e só para mim… As vozes à minha volta são vis, mesquinhas, tão, tão pequenas… Dizem que sou o mau da fita, arrogante, que corrompo o equilíbrio da amizade. Dizem que não chego, que não sou aquele, o quadro exacto com medidas exactas na parede exacta. Dizem que não sou o espelho, o reflexo de umas mãos que nunca cultivei, de umas mãos que sentiram o peso do amor… de umas mãos que nunca sentiram a textura do gesto e da imaginação, a largura da palavra. Da palavra deles. Da solução deles. Dizem que não sei escutar o voo encantado dos pássaros do sul… Mas se assim o é por que é que estas lágrimas ameaçam migrar para o gesto que ainda não abandonou o meu coração e as palmas das minhas mãos. Abertas. Fixas. Como é que se pode dizer ser assim: roubar o último fôlego que guardamos para continuar a viver.

Sinto a falta daquelas mãos, daquelas mãos que nunca existiram. Daquelas mãos que haveriam de me vir salvar desta casa que não é minha mesmo que o meu nome figure no contracto… Umas mãos que imagino todos os dias, dias a entrarem por esta janela que não ouso abrir, não vá o mundo entrar. Tantas vezes soube secar e beber as lágrimas alheias, mas estas que agora se subtraem a meu olhar quem as há-de vir regar?

Não choro fisicamente. Seria um verdadeiro desperdício. Choro por dentro, onde dói mais. Onde tenho de apagar as pessoas que entretanto foram ganhado saliva nos caminhos das minhas palavras. Choro aqui, aqui mesmo, no local da absolvição, no local aonde o mundo não entrou. Alguém, descuidado deixou a porta aberta e o frio entrou, sorrateiro e enunciado… Fixo e aglutinador. E eu, eu fiquei a ver os limites da imaginação a ceder ao espaço que não tem o meu nome, o meu sangue. Agora vai ser preciso amputar, desligar a corrente de sonhos que ninguém sabe colorir. Que ninguém sabe encontrar. Que ninguém sabe realizar.

No início da palavra eu hei-de dizer, fixo e de mãos abertas: quem há-de vir salvar o meu coração das lágrimas abertas pelo gesto de um mundo por desenhar. No início da palavra em hei-de querer o dobro do amor do dia de ontem (terá sido ontem?). No início da palavra eu hei-de fazer o aposto do sopro do nosso olhar. No início da palavra eu hei-de sentir o peso da tua mão no meu pescoço a convidar-me a habitar, novamente, a casa da minha avó…

Quem me dera ter a chave da porta do meu quarto…


sábado, novembro 20, 2004

espaço(s)

Não seria muito estranho começar com mais um destes textos com uma frase deste tipo: onde estão as tuas mãos que ainda sabem os caminhos que vão de encontro aos espaços que nos conheceram enquanto ambos apenas desconfiávamos que há verbos que não se partilham ao pares…, mas hoje não. Hoje não há tempo para pensar..., dentro da tua casa, dentro de ti.



terça-feira, novembro 09, 2004

lugar

Sinto a tua falta, muita.
Tanta que às vezes penso em desistir, desistir daquilo que me mantém assim e neste lugar.


segunda-feira, novembro 08, 2004

a casa, parte 3

Está frio, aqui, bem aqui, ainda que os meteorologistas digam que faz frio lá fora. Faz sempre frio quando entro neste quarto, neste quarto que fica dentro desta casa. Faz frio do lado desta portada que me tem acompanho nestes últimos dias de trabalho sem descanso, sem folgas, sem tréguas e sem absolvição… Ao frio já eu me habituei de tanto batalhar com eliminação da sua possibilidade, mas a esta chuva que aqui se completa não há maneira de me habituar.
Já não há o teu cheiro pela casa, mas também nunca o houve. Porém, sei que se quisesses esta poderia ter sido a tua casa, a nossa casa. A casa aonde aprenderíamos a ser felizes, um com o outro. Eu contigo e tu sempre a meu lado, à mesa, no carro, na cama…

Continuo a habitar a nossa casa (sim! ainda continuo a fingir que é a nossa casa…), mas já não durmo no mesmo quarto. Aquele que havia de nos conhecer, reconhecer cada pegada nossa, cada desfiar de roupa imprevista e revista, por entre a cama de estrado e lençóis – objectos únicos e os únicos que permitimos à existência daquilo a que depois de lutas de braços, de beijos e olhares entendemos como casa. Ainda dói saber que nunca mais vais agarrar os meus pulsos (com aquela força que chegou a assustar-me) e exigir de mim mais um beijo, como se os outros que se demoraram pela tarde não tivessem chegado. Algures no meio daquela conversa que nenhum de nós começou, disseste que não me queixasse das impressões digitais que insistias em deixar em mim, pois um dia poderia desejar voltar a ser criminoso e tu não irias lá estar para me prender. Pois bem, esse dia chegou. Chegou hoje, chegou ontem e nos dias que precederam o ontem e tenho a certeza que também vai chegar amanhã. Vai chegar mal eu poise o olhar no frio que deixaste nesta casa. Naquela cama que ainda não ousei desfazer. Naquela sweat-shirt que elogiaste. Nos lábios que soubeste humedecer. No olhar que encheste de luz, quente e cheia, numa tarde que nunca mais conseguiremos duplicar, pois perdemos os moldes daquilo que ainda seguro e protejo debaixo da palavra amor.

Que fizeste aos dedos que sabiam navegar entre o teu desejo indefinido e a minha desconfiança comprometida? Que fizeste à vontade que me prendou ainda sabendo que me haverias de sugar a racionalidade e a força? Que fizeste às chaves da casa que agora tenho de devolver? As janelas já estão fechadas. Os móveis inexistentes já estão cobertos. As contas que nunca abri também já estão pagas. As plantas desistiram de esperar e foram plantar outro jardim. As flores murcharam. Tirei os lençóis da cama… (pareceria mal deixar ali as marcas do nosso suor) e o algum amor que ainda se arrastava pelas tábuas do estrado. Os novos habitantes podem não gostar desta nossa decoração minimalista, mas que a mim sempre sobejou. Deixei apenas o despertador ligado, não vá ser necessário acordar deste pesadelo que soubeste e ainda sabes fazer real.

A velha vizinha pergunta: vai-se mudar? Respondo: …Por que é que não nos dizem ali e naquele momento que nos vão fazer sofrer como nunca sofremos antes? Para que pudéssemos, assim, fugir dali sem nunca olhar para trás e para todo o sempre. Fugir, enquanto a linha continua rectilínea não tomasse a tua forma e a nossa...

Recuperei o olhar e fechei a porta, à chave.

quarta-feira, outubro 20, 2004

a casa, parte 2

Já não consigo acreditar que estive na tua casa, no teu quarto. De mãos dadas, a contemplar aquela luz solar, quente e cheia, enquanto me fitavas na procura de um beijo. Depois, algum tempo depois, ele veio. Quase programado, programado, mas para a primeira vez. Tanto quanto se pode programar um beijo assim.

Já não consigo escrever mais sobre ti. É tão difícil entender-Te. Mais do que eu, mais do que nós. Mais do que os minutos que não soubeste alargar. É tão difícil entender quando a resposta está bem à nossa frente e ela não nos inclui. Porque não podem as minhas mãos tocar-te (mesmo) enquanto os teus passos recuam?...

Se ao menos tu tivesses tido a coragem de me olhar de frente naquele dia. No dia em que soube a cor do teu gesto. No dia em que soube que jamais voltarias a preferir o meu nome. Agora, sei de onde vêm os sonhos e os pesadelos: das mãos apertadas que deixamos no caminho... Que teremos deixado mais? e aonde?

Um dia destes, quando não tiveres mais nada que fazer, não queres vir procurar-las comigo? Só nós dois, como naquele dia de sol quente e cheio. De algum amor e muitos beijos.

Este é o modo como te compreendo: ‘Qual é (outra vez) a cor do teu nome?’, mas não chega.

Your House

I went to your house
Walked up the stairs
I opened your door without ringing the bell
I walked down the hall
Into your room
Where I could smell you
And I shouldn't be here, without permission
I shouldn't be here

Would you forgive me love
If I danced in your shower
Would you forgive me love
If I laid in your bed
Would you forgive me love
If I stay all afternoon

I took off my clothes
Put on your robe
I went through your drawers
And found your cologne
I went down to the den
I found your cd's
And I played your Joni
And I shouldn't stay long, you might be home soon
I shouldn't stay long

Would you forgive me love
If I danced in your shower
Would you forgive me love
If I laid in your bed
Would you forgive me love
If I stay all afternoon

I burned your incense
I ran a bath
And I noticed a letter that sat on your desk
It said "Hello love, I love you so love, meet me at midnight"
And no, it wasn't my writing
I'd better go soon
It wasn't my writing

So forgive me love
If I cry in your shower
So forgive me love
For the salt in your bed
So forgive me love
If I cry all afternoon

(Alanis Morissette)


Já olhei pela janela, as plantas continuam por regar...

quinta-feira, outubro 07, 2004

a casa

Vejo-te todos os dias… nas pontas dos dedos, nas mãos, na pele, no olhar, na extensão do gesto e na dor. Há entre ti e a música que escuto uma ligação estranha, doentia, perversa. Perversa porque sempre que os primeiros acordes ecoam pelas paredes do meu quarto e pelas palmas das minhas mãos, sou transportado para o passado, para aquele dia, para aquele momento que ainda se encontra gravado nas células que ainda não conseguiram acreditar que soubeste como renunciar a um amor que parecia procurar saber para sempre a cor do teu nome.

O nome, o teu, quase já o esqueci de tal banal que se tornou, mas a cor não. Essa ficou presa a tudo aquilo que se dobrou ou se contorceu para procurar perceber, entender as formas dos teus gestos que nunca despertaram os meus olhos por completo. Uns gestos que nos poderiam trazer a paz se ao menos tu tivesses sabido fazer a guerra. A nossa guerra. A guerra que desafia, que me consome e me arde desde o dia em que te conheci. Uma guerra que me conquista todos os dias, mais segundo menos segundo. Há dias em que sou senhor, outras escravo. Há dias em que sei que te amo, outros em que sei que não te devo amar. Outros ainda em que ninguém sabe como te amo. De vez em quando também há dias memoráveis, horas específicas, segundos especiais em que sei que tu nunca soubeste a forma do gesto que calcinou o meu coração. Esta há-de ser a forma que levarei no momento da despedida. A despedida que a cada palavra que passa se torna mais breve. Mais minha, menos nossa. Bem sei que não vais lá estar nem que sequer saberás que vou partir para longe daqui e, de certo modo, de ti, mas no momento em que olhares para as tuas mãos perceberás que estar já não sou e ficar já não vou, uma vez que a janela por onde ainda espero que me espreites estará fechada…

Eu estarei à espera, nesse momento rectangular e final. À espera que me devolvas a chave da casa que nunca chegamos completamente a habitar. Sem tecto, sem soalho e sem mobília. Apenas uma cama de estrado e algum amor. O meu. A ordem de despejo já chegou. Para mim e só para mim (nunca pusemos a casa no nome dos dois…), uma vez que tu já partiste há algum tempo.

Quem há-de, agora, regar as plantas?...

no meio

No meio do silêncio há-de nascer a luz que num pedaço de folha amarfanhada, em forma de risco soletrado, virá brilhante e densa, completa e finita, humana e rectilínea, dizer-me ao ouvido a quem pertence o gesto que me deixou preso ao peso da tua pele e aos dias que nunca inventamos. Isto tudo para dizer que já não consigo viver sem os textos que me seguram e me prendem. A mim, por dentro e dentro. Quantos textos mais serão necessários para que se apague das pontas dos meus dedos a memória do rosto e a impressão da saliva?...

segunda-feira, setembro 27, 2004

Tentar: mais uma, do lado de lá

Já tentei as palavras, já tentei os gestos, já tentei o cheiro e mesmo o olhar… Nada surtiu efeito, nada resultou, nada produziu chuva ou granizo, aviso, cor ou movimento, imaginação. Sei que hoje não vieste para reinventar o meu sorriso, nem as nossas palavras. Os nossos gestos ficaram perdidos enquanto o mundo conspirou para que no momento da combustão nos recusássemos a ver que há e vai continuar a haver uma parte de nós em mim e em ti, mesmo que tu já não saibas o meu nome eu já não saiba aonde moras. Será que sabes que podemos aprender tudo de novo, se quiseres, se tu quiseres, se quisermos. Aqui e mesmo ao lado daquela luz de dia cheio, de dia nosso, que nos atravessou o olhar enquanto procurávamos descobrir um no outro quantas vezes demos a mãos, quantas vezes pronunciamos a mesma palavra, quantas vezes não tentamos mais uma vez, de vez.
Sei que hoje não vieste para me ver, ou para me dirigir a palavra. Sei que hoje não vieste por mim, para mim. Sei-o porque fiquei a assistir enquanto fingiste que não existe gesto para além da tua mão. Vieste porque tinhas que marcar a tua existência no mundo, como se o mundo não soubesse que te amo.

domingo, setembro 19, 2004

Caligrafia do silêncio

Finalmente percebi: a volta dos teus passos nunca será paralela à minha voz. E eu, eu quero acordar perante ti e dizer-te, por entre silêncios bem medidos e contusões, que sou o verbo que nunca guardaste nas pontas dos dedos. Que não sou nada mais do que a sombra, a marca, a impressão de uma palavra que nunca traduziste. E tu, ainda conheces a cor do gesto?

Um dia, talvez amanhã, talvez agora mesmo, hei-de compreender porque ainda respiro o teu olhar tão, tão devagar, como se a definição de luz viesse antes da partida, a seguir a ti… Bem por detrás de mim. Na escrita que ainda se ouve.


sexta-feira, setembro 10, 2004

Memorando

Em ti hei-de mergulhar sem aviso ou tiro de respiração
entre a memória apagada e a vida repetida por revelar
Em ti hei-de sobreviver à tua ordem de silêncio que ainda não construiste
entre o espaço aonde me deixas pernoitar e o espaço aonde acabo por me reconhecer
Em ti hei-de esquecer que alguma vez fui o fim do tempo num tempo de fim de ti
Em ti hei-de esquecer que um dia quis as tuas mãos sobre os meus olhos
e em ti hei-de esquecer que foste tu que inventaste o vazio...
Em ti e em mim

quinta-feira, setembro 09, 2004

por detrás do olhar, parte 6

O silêncio está a entrar muito devagarinho por aquela porta. Meço-lhe a distância, mas os olhos estão recuados do olhar, presos às palavras que desde o tempo em que abrimos as nossas mãos se espalharam pelo gesto. O gesto que agora mesmo descodifiquei enquanto me deixaste a contar os teus passos no corredor ou naquele outro espaço que bem sabes que nunca conheceu o nosso cheiro.

Vais sempre ser assim, desaparecer sempre que os meus olhos se encherem de luz por entre as mãos que entretanto se infiltraram pelo meio de um escudo de carne que mantenho para te compreender, para te falar, para te descobrir, enquanto mentes ao teu coração.

Deixa-me ficar, entre este e aquele grito. Entre esta e aquela música. Entre este e aquele murmúrio. Entre este e aquele silêncio. O silêncio que fazemos quando ambos nos perdemos na direcção do outro. O silêncio que fazemos enquanto embalamos a dor. O silêncio que fazemos, enquanto fazemos amor. Mas não era ruído que costumávamos fazer? Quando fazíamos.

O silêncio está a entrar muito devagarinho por aquela porta. Não lhe recuso a entrada, mas sei que não vens com ele… O silêncio já está cá dentro, dentro.

quarta-feira, setembro 08, 2004

Less than strangers

You and me
Had some history
Had a semblance of honesty
All that has changed now
We shared words
Only lover speak
How can it be
We are less than strangers

Oh it hurts to lose in love
Let anger and cruelty win
It's unfair that you doubt your feelings
And that you'll ever love again
I know that hearts can change
Like the seasons and the wind
But when I said foreverI
thought that we'd always be friends

You and me had some history
Had a semblance of honesty
All that has changed now
We shared words
Only lovers speak
How can it be
We are less than strangers

I thought I saw you yesterday
I thought I passed you on the street
I swear I saw your face
I was not imagining
That you stole a glance my way
You walked away from me
My heart it may be broken
But my eyes are dry to see

You and me had some history
Had a semblance of honesty
All that has changed now
We shared words
Only lovers speak
How can it be
We are less than strangers


Lyrics by Tracy Chapman


(Aonde estás?....)




sábado, setembro 04, 2004

Aterrar

Cobram-me mensagens, telefonemas, sorrisos, mãos, poderes sobrenaturais… Eu também sou humano, lembram-se. Sou feito do mesmo material que um dia há-de apodrecer num lugar qualquer, sem nome ou identificação, espero. Cobram-me tudo aquilo que acham que me podem exigir. E eu, porque não sei fazer frente a atitudes que desafiam as leis do respeito e da honestidade, cedo. Cedo a pressões, a pedidos, a querelas, a jogos de poder que não compreendo e nunca hei-de compreender.

Será que não conseguem ver nos meus olhos que não gosto de álcool aos litros, que não gosto de ambientes cheios de fumo, que não gosto de dizer palavrões a torto e a direito, que não gosto de ser convidado para tomar café para depois levar com o teu silêncio em cima, que não gosto que me digam ‘Adoro-te’, ‘Amo-te’ e no dia seguinte (ou qualquer coisa assim do género) tudo tenha desaparecido, em explosão definitiva aparente…, que não gosto de amanhã ter de tentar tudo de novo…

Pensei que desta vez ia ser diferente. O teu olhar, as tuas mãos e tua insistência em me ver todos os dias quase me convenceram, mas foi tudo igual. Igual com uma pequena diferença: nunca te revelei o meu nome e nunca me deixei levar num olhar que agora parece perdido e não sabe aonde aterrar… És passado sem nunca teres sido presente, aqui, agora, desde há alguns dias, só que ainda não to disse, e nunca to direi…


quarta-feira, setembro 01, 2004

Outras Mãos (II)

“Adoro-te…”, “Amo-te…” Isto é o quê – palavras, clichés, ou sentimentos a sério?!! Juro que não entendo a rapidez com que se utilizam estas palavras. Não entendo porque se deixam sentimentos, conversas e até mãos a meio... Podiam ter deixado o ‘Adoro-te’ ou o ‘Amo-te’ a meio, mas não. Lá os enfiaram bem no meio daquele momento aonde apenas o silêncio tinha licença para existir. Agora, que a magia passou e o sol tem finalmente direito a brilhar sobre todos os gestos e sons, os enunciadores românticos acobardam-se porque a mão que outrora os travou hoje lhes exigiu o movimento contínuo do corpo…

Hoje deixei de acreditar no amor. Nessa teia de enganos e desilusões que me prende e me vomita enquanto me deito para dormir… Hoje, quando até te esqueceste de me dizer ‘Adeus’, deixei de acreditar em ti. Hoje passei a acreditar nos meus novos colegas de apartamento. Esses, pelo menos e por enquanto, fazem-me feliz e levam-me a ver o Garfield mesmo que depois na solidão do meu quarto eu mergulhe num sono que me leva para longe do acordar…


terça-feira, julho 27, 2004

E depois do Adeus, que fica? Que pode ficar? A que rasto de poeira e de sombra ainda nos podemos agarrar, quando o fito no horizonte já não existe. Quando o próprio horizonte já não existe. Quando o principiar que em ti tinha origem já se extinguiu para os lugares que me escapam à visão. Que fica depois de ti, que fica depois de mim sem ti, que fica do mundo sem nós? Que fica dos planos que fizemos sem que o tempo pesasse como pesa agora?

O que mudou, o que não permaneceu? O que não bastou em mim? O que não bastou nos meus gestos, nos meus braços e mãos que te procuravam incessantemente. Na minha boca que insistia em te procurar mesmo que de ti nada mais existisse que a efemeridade de um beijo. No meu corpo existia um fogo, uma vontade que não controlei; um projecto que se completa em ti; um curso, um destino, um trilho definido que te procurou, e que espera morrer no render final dos teus sentidos, quando todos eles, em uníssono, se convencerem da inutilidade de uma existência solitária. De uma existência que não me contempla, que não me inclui, que não me permite deixar permanecer na quietude do teu ser, quando todas as luzes se apagam e tu voltas a ser quem sempre foste – uma outra parte de mim.

É aí que te conheço, que te reconheço, pelo cheiro, pelo toque, pelo sabor. Sabor a fogo das tuas lutas com o meu corpo, com o meu querer, com a minha existência a querer cercar a tua. É aí que me desconheço, que me estranho, que me apago na presença de algo maior, de algo que não cabe na minha mão de rios e marés, de algo que prende e me sufoca, de algo que me exige e me extingue. É aí, depois de tudo estar perdido, à deriva, depois de tudo se ter esvaziado, perdido o nome, que tu te revelas, como a aurora que se principia e vai bater na lua, que a espera diária e incessantemente. É neste preciso momento que tu caminhas para mim, que moldas as correntes e marés que te tentam abraçar, que te infiltras em todas as cavernas e destinos que conheces de cor, que me desgastas, outra vez, sem culpa nem remorso, com esse teu olhar de erosão, que planta em mim o deserto. É aí que tu és tu, e eu não sou mais do que um reflexo de ti. É aí que tu me exiges a rendição, mental e corpórea. E eu, eu desisto, desisto de mim. Desisto das minhas mãos de água, dos meus oceanos que tão bem te conhecem, dos meus sentidos que ainda resistem ao último ataque teu. É aí que tu existes toda e única, e só para mim.

E nesse momento, no final do exercício da paixão, em que o meu ser acaba e o teu sobeja, aí eu morro e desapareço nos teus braços e nas tuas mãos, em pura rarefacção do gesto. Mais do que isto não sei. Mas do que isto é pedir que te defina, que te enumere, que te reduza ao movimento contínuo do tempo, a cada hora que recuso admitir, reconhecer; é pedir que me afaste de ti, para que te possa ver, sem o meu corpo que te cobre; é pedir que respire outro ar que não o teu; é pedir que partilhe outro espaço que não este, tão cheio de ti; é pedir que enlouqueça mais cedo do que o previsto. É pedir que abra as minhas mãos, correntes que semeaste e moldaste, e te deixe ir, livre e identificável, para longe desde mundo que se inaugura a cada palavra tua. É pedir que renuncie ao teu sorriso que me constrói e me segura. É pedir que depois do Adeus, não me possas levar contigo…

Mas tu já não procuras o que aprisionaste, já não me procuras debaixo dos lençóis ou entre as curvas do teu corpo. Já não tratas de mim como antes. Já não me tratas por ‘Tu’… Já nem sequer te conheço. Penso que nunca te conheci. Enches-me de nada e isso, por incrível que pareça, é o suficiente. Já nem sei quem és, de onde vieste. Apaguei-te, apaguei-te em vários sítios. Do amor, da pele, dos gestos, do olhar. Apaguei-te mesmo por entre as promessas que fizemos um ao outro… E apaguei, num risco de loucura, todos os silêncios que sempre deixaste que te substituíssem.

E o recado vai, agora, na volta do vento e do tempo. Um tempo que já não existe mas que vou guardar no fundo da algibeira, preso a mim, a ti e, se bem me lembro, a nós. Foi tudo muito bonito e isso, afinal, foi o que sempre contou e contará, mesmo no tempo mais conjugado no passado. Sem dor, culpa ou remorso. Não me posso arrepender de ter sido feliz nem me posso arrepender de ter sido mais do que alguma vez fui. Não me posso arrepender de ti. Nem agora nem ontem nem amanhã. Nem no passado mais passado. Nem no meu nem no teu. Só me arrependo de não ter visto para além de mim. Para além de tudo que não me incluía. Para além deste olhar que mal te atravessou…

Por favor, façam silêncio. Em flor, aqui bem ao lado, em mim. Em sorriso. Escuta, pode ser que me consigas ouvir…

sexta-feira, julho 23, 2004

“There’s magic in love and smiles. Use them every day, in all you do, and see what wonderful things happen,” Brown Owl used to say chirpily, reading it from her little book. I’d believed that slogan, I’d believed that the absence of wonderful things happening had been due to my own failure, my insufficient love. Now it seemed to me that the name of a furniture polish could be substituted for “love” in this maxim without at all violating its meaning. Love was merely a tool, smiles were another tool, they were both just tools for accomplishing certain ends. No magic, merely chemicals. I felt I’d never really loved anyone, not Paul, not Chuck the Royal Porcupine, not even Arthur. I’d polished them with my love and expected them to shine, brightly enough to return my own reflection, enhanced and sparkling.

 
Lady Oracle,  M. Atwood

quarta-feira, julho 21, 2004

Por favor, escuta-me:

Aceito a felicidade e o movimento contínuo do olhar,
mas sem o peso dos dias que ainda não existem...  

 


Why Should I Care

Was there something more I could have done?
Or was I not meant to be the one?
Where's the life I thought we would share?
And should I care? 

And will someone else get more of you?
Will she go to sleep more sure of you?
Will she wake up knowing you're still there?
And why should I care? 

There's always one to turn and walk away
And one who just wants to stay
But who said that love is always fair?
And why should I care? 

Should I leave you alone here in the dark?
Holding my broken heart
While a promise still hangs in the air
Why should I care?

 

Written by Clint Eastwood
Performed by Diana Krall
Aguento-me? Aguento a tua voz a dizer que me amas? Aguento outras a dizer que não? Aguento sentir os teus abraços a pedirem que me estenda num pedaço de gesto que ainda não compreendo? Um gesto que ainda não sabe nem entenderá como me chamo, como minto, como represento, como enfrento o olhar dos outros. Aguento dar aquilo que não estou preparado para dar ou receber? Aguento sentir essas tuas mãos que não me conhecem a perscrutarem um movimento de corpo que sabe muito bem a cor da fuga? Será que aguento ouvir aquilo que preferi esquecer? Será que aguento escrever este texto que bem sei que nunca lerás… Será que aguento esta tristeza que me consome de dentro e por dentro? Esta tristeza de me magoarem mesmo que nem sequer saibam o meu nome na sua forma completa e tão, tão minha. Será que aguento saber que ganhaste e que me perdi?... Será que aguento saber que vais regressar amanhã e que eu vou estar aqui, bem ao lado de mim, sem ti?

 

segunda-feira, julho 19, 2004

Outras Mãos
 
Nunca pensei que outras mãos pudessem repetir e ressuscitar os mesmos sentimentos, a mesma alteração de olhar, o mesmo movimento contínuo do coração. Aquele salto de criança que ainda não sabe nem suspeita que o mundo não cabe na palma da mão. Foram outras mãos, bem outras que hoje me construíram sem ruído ou silêncio, sem fogo ou clarão. Entre ti e eu houve notas de respiração que me apagaram o gesto que se temeu a sobreviver diante daquilo a que depois do beijo chamamos teu rosto.
 
A cor do meu olhar esbateu-se num comprimento de chão que logo ali inventamos, mal nossos corpos se tocaram. Senti a terra debaixo de mim e logo depois grãos de areia na tua mão que espalhaste pelo meu corpo ainda quente. Quente de ti. Gosto do teu olhar em mim, sem pecado, sem exigência, sem nenhum pedido que me faria mudar de nome. O meu ou teu, ainda não sei. Gosto que me guardes dentro de ti, embrulhado pelo meio dos teus dedos que se aconchegam ao pé do meu rosto. A última morada do nosso segredo que só ainda contamos um ao outro…
 
Levantei-me como quem se levanta do sonho, do meu sonho, e vi-te ainda dormir, agarrado ao meu corpo. Ao último bastião que pensas que podes compreender e salvar. Gostava tanto de te contar a verdade sobre mim… e sobre as minhas mãos que não te largam e te respondem. Em sobressalto, em sintonia, em movimentos que se quebram aos pares. A verdade sobre a música que tive que te traduzir. Vais também traduzir o teu último gesto da noite para mim ou vais-me guardar num local ainda mais fundo? Num lugar aonde o tempo e o espaço são meras notas de uma música que encostamos ao ouvido e ao olhar, ao caminho, o nosso. Uma música que ainda ouço depois dos olhos abertos e da roupa vestida. Depois de mim, de ti e dos nossos gestos. Gostava tanto de caminhar contigo até ao mar e dizer-te por detrás de uma onda, bem perto das tuas mãos, que ainda não sei como se chama o mar que nos viu nascer. A viver. Gostava tanto de te encontrar um dia destes embriagado pelo dia e ser possível dizer-te o que faltou dizer: eu sou feito de mim. Teme-me assim e nunca mais de outra maneira…
 
Mas tu dizes que não desistes, nem de mim, nem de ti, nem dos grãos de areia que entretanto se infiltraram na corrente do gesto e da saliva. Será que também não vais de desistir de nós? Será que não vais desistir de nós quando o sol nascer, quando o gesto humano rarear, quando eu for menos do que foi hoje, quando te perguntarem o meu nome? Quando te disserem, muito baixinho “Sei o teu segredo!...”. Será que não vais desistir de nós quando eu recusar o amor e a ti? Será que ainda sei o caminho para a tua casa?... Será que vou voltar a ver outra vez as tuas mãos? Será que ainda te reconhecerei? Será?, outra vez…

terça-feira, julho 13, 2004

Hoje é certamente mais um dia do que ontem. Porém, hoje nada terá a ver com aquilo que se passou ontem… tamanha falta de compreensão. Não percebi como é que aquelas mãos me agarraram com tanta força, tanto poder, tanta vida, tanto respirar. Não percebi mesmo como não me mataram. Olhei em volta e quase nada vi, de tão perto que estavas no momento da implosão. No momento em que finalmente exististe, ali, por detrás do tudo aquilo que ainda não construí. No momento em que ambos vimos aquela estrela cadente. Será que ambos compreendemos o que ela significa. Será que partilhamos o mesmo código. O corpo, esse, já o partilhamos, mas não sei quanto ao resto. Não sei quanto ao teu olhar que me segue e me direcciona, me corrige a distância e a profundidade da queda. Acompanhas-me nesta viagem que desenho sem esforço ou expectativa. No passado ousei esperar um beijo, um abraço ou apenas até um olhar. Ontem recebi o teu, sem oração ou prece ou respirar. Sem fechar os olhos, sem desejar ardentemente. Sem ti ou mesmo nós. Sem saber o teu nome que depois vou guardar só para mim. Será este o princípio do nosso amor ou a quebra dos meus sentidos? Em flor, em mim.

Amanhã estarei lá, mesmo que não me consigas ver…


A.

segunda-feira, julho 05, 2004

Tenho de me afastar desta cidade. Desta universidade. Destes académicos e teorias balofas. Eu nunca quis verdadeiramente ser um académico. Sou demasiado simples para isso. As pessoas que ao me ver ou ao ouvir-me me acham um desses indivíduos que se passeia pelos corredores dos gabinetes, engana-se. Mais rápido me encontrarão na praia, a olhar o mar que, ao contrário de muitas coisas na minha vida, não é sempre o mesmo e nunca me engana ou desilude.


A.R.

sábado, julho 03, 2004

Não quero escrever. Não há sobre o que escrever. Caminhas todos os dias para o nada. Para ti. E eu, eu fico a ver-te a tornares-te humano nesse mundo de humanos, onde só existem sentimentos de humanos. Desculpa se não vou contigo, mas prefiro viver neste lado escuro do olhar, onde as minhas mãos sempre se recolherão para me saudar. Será que os humanos também têm mãos?

Parto hoje. Definitivamente.


A.R.

quinta-feira, julho 01, 2004

Hoje (algumas horas atrás, antes de este blog ser escrito) Portugal esteve maior, pleno, eterno, completo. Em Alvalade, Portugal fez-se sonho e realidade no meu coração e no de toda a gente. Até de laranja se fez o coração.

Eu estive lá a beber toda aquela energia que me elevou e me completou. Uma energia que voou bem alto até ao sonho que me fez gritar, 'Por-tu-gal, Por-tu-gal, Por-tu-gal...'. Vibrei sem quebra ou desalinho com aqueles milhares de pessoas, conhecidos ou desconhecidos, concentrados, disperos, felizes ou incompletos, agarrados a um sonho que ultrapassou a imaginação e o querer. Foi muito bom voltar a encontrar o país que sempre senti mas que nunca me ouviu. Hoje tudo foi diferente.

Viva Portugal e um sonho que sempre foi Possível...


A.R.

sábado, junho 26, 2004

Hoje descobri que és o meu Aposto, ao contrário..
Penso que sempre o soube.


A.R.


(nota: não confundir Aposto com oposto.)

domingo, junho 20, 2004

Concordas?... Sim?



A.R.

sexta-feira, junho 18, 2004

Hoje ouvi algo de muito bonito: “Tu és o poema, Tu és o poema…”. Não fui eu o destinatário. Fui apenas espectador, mas ao passar por aquele estranho na rua, apeteceu-me perguntar-lhe: queres ser o meu poema outra vez? Acho que me responderia, se tivesse voltado a cara – quem é que escreveu o poema desta vez?...


A.R.

quinta-feira, junho 17, 2004

Surgiu por entre fendas que ambos já tínhamos inventado, sobretudo tu. Surgiu e permaneceu. Permaneceu porque eu tive de insistir e porque tu mudaste tanto desde a última vez que te vi. Como é que se pode mudar tanto?... Como? Como é que se pode trocar de olhar, sem perder a imagem que já se tinha fixado… Como se pode trocar a verdade pela máscara (novamente?). A resposta é simples: tão simples que não nos olhamos. Lembro-me de olhares furtivos, denunciadores, incompletos, mas não me lembro da luz de outros dias. Juro que não me lembro do toque de outros momentos. Esqueci-me até das palavras que ficaram presas a outras conversas, as outras visitas. Foi assim tão curta a nossa conversa que nos esquecemos de ler os pensamentos um do outro? Sei que nada foi mais importante do que ouvir-te, mesmo ao teu silêncio. Sabes que ele sempre te denunciou e continua a denunciar-te?... Um silêncio que sempre se ouviu mas nunca com tanta intensidade. Sei-o porque o medi nas pontas dos dedos, por entre as descontinuidades que fomos cavando um no outro enquanto ambos fugíamos daquele local aonde nos concentramos por tempo determinado. Fugíamos, fugíamos a cada segundo de existência verbal, mas cada um para o seu lado… Foi curta, agora lembro-me bem. Tão curta que ficou algo por dizer. Algo que agora não pode ser mais dito.

Ainda bem que me perguntaste quem eu era antes de desapareceres por entre caminhos que não conheço, pois até ali eu não sabia. Porém, diante de ti e da tua representação (possível?) prestes a se subtrair para sempre, soube que era mais do que eu, muito mais, porque eu permaneci. Fixo. Dentro de mim. Atado.

Fiquei triste, sei-o bem, e tu também (mas isso não o sei tão bem). Contudo, compreendi-te. Ou quase. Tudo na nossa relação se resumiu a um ‘quase’. Por fim, quase desisti de mim, entre o CD da Shania e o medo que ainda não conseguiste ultrapassar, ou as defesas que quase não baixaste. Disse bem, quase. Quase… Houve um momento em que te rendeste, mesmo no final. Rendeste a palavra, duas palavras, que me atravessaram, quase. Que teria faltado render mais?...

E sim, quase que tive que escrever este texto. Tanto, que o escrevi mesmo. Quase…


A.

quarta-feira, maio 26, 2004

Como é que se escreve a palavra ‘Adeus’ sem que as lágrimas se precipitem no desenho da grafia? Como é que se escreve o fim sem se desejar que o sorriso recomece. Aqui e no mesmo lugar de sempre… Lembro-me muito bem do tempo em que não te compreendia: o falar, o gesto, o toque… Depois tudo mudou – começaste a gostar de mim, e eu de ti. Juntos descobrimos que gostávamos um do outro. Eu já nem me lembrava de mim e tu focavas o olhar neste rosto que agora te perscruta por entre fotografias e gestos… produzidos pelo tempo, pelo teu tempo. Pelo teu tempo em mim, vincado em nós... O tempo que agora levo comigo, dentro de mim, bem encostado à sombra que me ensinaste a dominar, a compreender, enfim, a amar também. Porque também não amar, dirias tu se aqui estivesses… Quero muito que saibas que te Quero: sem reservas, a descompasso, a gritar sílabas que não sei combinar. Quero muito que saibas que hoje sou mais do que eu, muito, muito mais do que eu. Afinal, o teu gesto surtiu efeito… entre a lágrima que quebraste e o sorriso que imaginaste. Em mim, de todos os lados. De todos os ângulos da fotografia. Na imagem. Em silêncio. Meu ou teu?...

Hoje tive de estender e multiplicar a palavra, a minha palavra (lembraste dela?…) pela última vez, a ti, a eles, até mesmo a mim… Não chorei (ainda), mas gritei aqui dentro deste mundo que nunca te mostrei, mas que te desenha e respira a cada segundo. Gritei e disse: hoje deixo-te mas é só por um momento (breve e contido, Fixo.) porque aguentar este tempo sem ti é estar ao alcance da resposta num jogo que sempre se fez de perguntas. De amor.

Como é que se escreve a Palavra, perguntarias tu se lesses este texto… Eu não te sei responder… Apenas sei que o teu nome se escreve assim:.... e não é que me esqueci de mim outra vez…

Fim.


A.R.

sábado, maio 22, 2004

Bater de asa (berceuse para a libertação)


E se parte de mim partisse para o absoluto desconhecido, ficaria eu triste. Seria eu menos do que sou, menos do que aparento ser ou menos do que me deixam ser. Porque escrevo desconhecido quando quero dizer TU, grafado a gerar emoção e frio imenso, demasiado…

Fixo o meu olhar e pensamento em ti, na tua materialização possível e acertada pela minha mão trémula e insegura, mas que tu insistes em renovar a cadência, o movimento ininterrupto e contínuo. Porque pedes tanto de mim… porque me roubas o olhar (não sabes que é a única coisa que possuo tua no momento da despedida, no momento em que desistiria de mim para que pudesses continuar a palavra que me roubaste do corpo. O corpo que ainda lateja, lateja de ti. Vais voltar amanhã, agora ou neste preciso momento em que te registo na imagem sem linha final? Será que vais repetir palavras que nunca tinha ouvido antes, you are so beautiful, can I hold your hand (and your soul). Reconheço-te o sorriso, a mão sobre a minha mão. O beijo prometido. Aonde aprendeste a beijar assim?... Would you come with me if I left this place, pergunto-te… Sorris por entre os lençóis e guardas a resposta para amanhã… and what word should I utter quando me pedires para que sejamos felizes aqui, aonde as nossas mãos nunca se desenlaçam... Elas nunca se esquecerão de ti, mesmo quando não te perceber a palavra, o embaraço, a dor… Será que a reclamarei também para mim?

És tu a bater à porta…?

Ouvi a tua voz, finalmente, escreverei amanhã num outro poema, num outro tempo que há-de ser sempre o teu, porque eu não existo... Menti. Não me coloquei entre o tiro e o sorriso que me perfura. Sinto que menti nos lábios e nas mãos, mas deixa-me amar-te outra vez, como ainda hoje de manhã… E aí, juro que não mentirei. Acreditas em mim? Que sou eu outra vez? Que sou possível? Ouviste bem: possível.

E lá estou outra vez a brincar com a memória e o sonho… porque é que me deixas comportar assim?



A.R.

sexta-feira, maio 21, 2004

Este também não é nada mau...


deixa morrer devagar o meu medo no meio de palavras
que não compreendo, vêm do andar de cima e caem sobre mim
como se fossem pó: o gesso do silêncio. São estas as noites.
Despido, escrevo num caderno a viagem como se fosse uma
casa a habitar, assim me vejo sob gaivotas que vasculham no
lixo o alimento para uma fome um pouco trémula,
digo: é preciso esquecer as palavras para falar, é preciso
alguém dizer na minha boca os sons inaugurais, esta palavra
amo-te, tão esquecida dos lábios, esta palavra pobre, este equívoco,

tu falas junto a mim a tua palavra,
mas eu não sou a pessoa que a conhece


Rui Nunes

terça-feira, maio 18, 2004

De que corpo há-de brotar a energia que me falta?
De que mente há-se nascer o sonho que não sabes desenhar?

Eu não sou eu; sou tudo o que não desejei para mim
Não me reconheço por entre os signos da tua representação

De onde existo se não me levanto para te beijar?
Para te afagar o corpo que deixaste antes de sair

Irei olhar para trás, na hora da despedida?
Na hora em que me disseres baixinho, por entre abraços alheios:

“Qual é o teu nome?”

E que resposta esperarás de mim? Metade de mim ou palavra completa.
Só sei que dar-me-ei: atirado em silêncio contra o teu peito, desfeito mas tão pleno.


Para ti, Sofia, que sempre soubeste aonde reside esta vontade que nunca nomeamos a dois. Obrigado pelo telefonema… é sempre um prazer ouvir a tua voz doce. Será que vais ler o meu blog?...


A.

quarta-feira, maio 05, 2004

Reli o teu texto (Abril, 18) porque precisava de força, acalento. Já não falo contigo há algum tempo. O telemóvel está mudo (cada vez mais) e eu não sei o que fazer.
Perguntavas se te aguentavas, se me aguentava, se nos aguentávamos. Eu continuo a olhar no infinito a estrela que me apontaste como tua, lembraste? Por outras palavras, eu aguento-me. E tu?
Diz-mo agora, porque preciso de continuar ou parar, pois ficar assim, neste meio, é que não dá.

Should I ‘Try’?



* A.R.
Há textos que merecem estar entre os mais lidos do mundo. Este é um deles:


Pietà


Sentamo-nos os dois. O frio, perpendicular, abafa qualquer comiseração.
Sempre vagabundos de nós, tudo nos falta menos a rua. Esta noite um som
ecoa, a luz, acre, levanta o peso do calor, e eu não sabia, calada e não
refeita, de teu sono vigilante que já não me pertence. No quarto anterior,
dormias em meu ventre, hoje o tronco no colchão firme recusa um qualquer
sincronismo com o meu desejo. Somos luz comum, porém, caminho
idêntico e diverso, o que atrai e repele, breve hesitação a minha, a de quem
transporta o recém-nascido a um ritmo novo.
Se eu chamar tua voz para meu lado, arranco a flor mutilada à superfície
da água. Mas teu labor é nocturno, ponto instável, díspar; a dúvida,
uma interrogação insidiosa. Era um segredo, o nosso, amor lento, corpo
que nos cerra e mais tarde se extingue. Se espreito, o menino morre.
Fecho então os olhos, e aprendo a ler sobre o texto o longo breve rio
entre ti e o outro, o sentido da inverosimilhança, a ausência radical e lisa.
Vou envelhecer tentando segurar a maternidade no peito.



Ana Marques Gastão

terça-feira, maio 04, 2004

I wish I wasn’t”

“I wish I wasn’t”, diz a música. Mas que digo eu? Debaixo desta chuva que não há meio de passar. De me passar, de me trespassar… Estarei eu acima de mim e do que desenhei para mim, por entre dedos incertos e olhares inacabados? Estarei aqui ou fora de mim? Estarei aqui ou aí? Mais perto de ti do que de mim, mais perto da minha solidão do que do meu desejo. Mais perto de um texto do que a fonte que o origina.

Alguém diria que estou melancólico ou pior, que sou melancólico. Se o sou é porque não me tenho, não me tenho neste momento em que prescindir de um pedaço de mim, é pedir que me estilhace na contingência do tempo e do espaço. De um tempo que ainda não se (re)faz para mim e de um espaço que se dissolve ao contrário à medida que aperto a minha mão, vazia…



A.R.

quinta-feira, abril 29, 2004

A propósito do texto de Mário Simões, n’ A Voz de Felgueiras.

Não vivi o 25 de Abril, mas sinto-o. Aqui bem perto, do meu lado. A fazer-me cócegas no ouvido e a estalar nas minhas mãos. A render-me a sua esperança à medida que acordo para um dia completamente diferente e que nunca será mais o mesmo… Resta continuar com a simplicidade do gesto e do movimento, para a conquista final que há-de ser de todos e de ninguém. Agarrada à ignorância de sempre e às emoções descobertas pela primeira vez. Anseio por esse dia com todo o meu coração, de cravo ao peito…

Obrigado pelo texto que me fez lembrar Abril e todas as suas conquistas, a mim, que só tenho vinte e três anos.


A.R.

terça-feira, abril 27, 2004

Shhh...

O silêncio conforta
O silêncio acarinha
O silêncio preenche
O silêncio desperta
O silêncio vive
O silêncio amadurece
O silêncio faz crescer
O silêncio endurece
O silêncio cria
O silêncio recria
O silêncio mata
O silêncio imita
O silêncio luta
O silêncio perde
O silêncio revela
O silêncio rejuvenesce
O silêncio caracteriza
O silêncio constrói
O silêncio parece não destruir...
O silêncio é as lágrimas de um olhar
O silêncio é o calor da minha pele
O silêncio não pede, exige
O silêncio reclama
O silêncio é o abraço
O silêncio é a tua mão a querer tocar a minha
Eu sou o silêncio, enquanto não chegas a casa

Shhh, que já adormeci a teu lado...


A.R.

domingo, abril 25, 2004

Porque não me falas. Porque não me existes. Porque não me dizes baixinho que estás aí, muito perto. Tão perto que me magoas, porque me impedes a respiração. Porque não existes só para mim, numa rendição incondicional dos teus sentidos e desejos. Porque não me acompanhas nesta aventura que inicialmente nunca te desenhou, mas que agora não se constrói sem ti. Porque ainda não disseste que me amas. Será que te contagiei com este meu medo, com esta minha inconsistência, que te perde e te salva, tudo na mesma contingência de tempo – o segundo. O meu, o teu. O nosso. O segundo que passamos juntos e que não soubemos prolongar, que não nos deixaram alongar. O segundo que nos há-de salvar. Ao meu sentimento que luta e se constrói. Contra caravelas e promontórios. Contra o sal dos dias e da minha existência. Contra os meus pais…
Porque não me dizes, fica!, entre abraços e beijos que me haveriam de prender, absoluta e continuamente. Por que não me dizes, és meu e de mais ninguém e quero perde-me como nunca me perdi. Em ti, para ti, contra ti, debaixo do teu olhar. Por que não mo dizes, agora? Já.

Será que sabes que ainda te procuro entre o texto escrito e a palavra por proferir?



A.R.
Estou aqui, não me vês? Debaixo do teu olhar… Basta esticares a mão para sentires o desenho do meu desejo. A linha do teu rosto a confundir-se no meu beijo. Os meus braços a aniquilarem cada gesto parcial do teu corpo.

E se tu isto aconteceu num segundo, como me pude deixar prender ao teu tempo?



A.R.

quinta-feira, abril 22, 2004

Sangue

Adormece no meu sangue, meu amor
Para que cada pulsar de veia
Seja uma batida de amor!
Vem acordar o meu vazio,
O meu falar e o meu querer!
Olha os desejos
E se estes te pedem asas
É porque me ensinaste a viver!
E mesmo às escuras, sem ver,
Cego de mundo, vejo-te a brilhar
Como se quisesses devolver a cor à minha vida!
Compra-me o silêncio se puderes,
Para que eu ao te olhar nunca regateie o teu ser...
Por isso peço-te, não te esqueças de me procurar
Sempre que sentires o pulsar...
Agora não te distraias e adormece
Que estou à tua espera
Vem, não demores a chegar
Que o sangue ainda corre
E preciso que me ensines a regressar...


"E ele disse que sim..."



A.R.

quarta-feira, março 31, 2004

Partida

Hoje parto. Parto em busca de ti. No fundo da linha. Da imaginação.
Não tenho fundo nem destino. Apenas corpo em espuma que espera o rebentar.
Vou que o tempo urge e ainda tenho que me transformar nesse ser que te quer receber. Ver. Encontrar.
Vou e não olho para trás. Sigo o cheiro que se vai adensar. No caminho. Pelo caminho. Ao olhar
que me liga e me prende em ti.
Vou e sonho em ficar. Vais lá estar? À minha espera? Mudo e fixo. Expectante e meu.
Vai, vai-me ver chegar para que eu possa partir mais depressa.

(Estou aqui e aí...)


A.R.

terça-feira, março 30, 2004

Presença

Sei aonde estás, sei aonde respiras. Sei aonde moras. Moras aqui ao lado, bem perto de mim. Basta um suspiro para que eu te acorde. Basta um abraço para sentires que te quero. Mais do que ontem, menos do que amanhã. Sei, sei tudo isto, mas não vou contar. Vou guardar-te para mim. Como quem guarda a última fotografia, a fotografia do olhar. Anseio pelo amanhã, pelo teu acordar. Mais completo, menos distante, mais meu. Anseio pela tua presença. Aqui. Desse lado. A meu lado. Em mim. Anseio pela pergunta, anseio por ti, anseio por nós. Anseio.


(“Aonde estás?” Não fui eu quem perguntou, mas respondo – estou aqui.)



A.R.

segunda-feira, março 29, 2004

Perfeição sensorial

E ali fiquei perante o texto. Presente e virtual. Fixo. Completo. Perante um texto que se construiu e se assinalou ante meus olhos, em sangue. Quedo e mudo, sem que a respiração sobreviesse. Latente tentação de interpretar, de te interpretar. De te ler o pensamento fixo na retina e no gesto (ainda) contido e que ameaça contingência e efemeridade. Rio que secou, mas que ainda corre para o mar.

Eu vou nesta perfeição sensorial, em busca dos barcos que ainda se apetrecham nos cais. Vou em demanda do rebentar das ondas que ainda não se fizeram mar. Perseguirei os sonhos que ainda não se projectaram no limite imóvel e ignorado do pensamento pueril e insuficiente. Vou agarrado ao olhar. Ao fogo de visões que rebentam no cumprimento de mim. Entre mim e a representação possível. Vou cego e irreal no olhar, com o olhar, debaixo do olhar. Vou procurar-te, pois sei aonde estás.


(E tu, saberás reconhecer-me?)


A.R.
Fotografia do olhar

No limiar daquilo que quero dizer está o desejo secreto de te querer. De te abraçar ainda que não existas na mesma contingência temporal que a minha. És ainda aquela representação que não ouso trazer para a luz dos meus olhos e dos meus sentidos. Não sei quanto tempo poderei aguentar esta ausência de ti, agora que o fogo se adensa a meu corpo, à minha voz trémula que te chama em silêncio precavido e fragmentário. Estarás tu pronta para me tocar, ardente e reticente? Tocar um corpo, uma alma aos pedaços, em ruína de sentidos. Um corpo que ainda não se construiu de ti e para ti. Uma agenda de emoções e desejos que não desejo nem consigo revelar.

Hoje ousei olhar a tua fotografia, a tua representação histórica. Eras tu que lá estava, reconheci-te, mas estavas incompleta, menor, muito para além das memórias dos nossos dias. Não vi aonde estavam as minhas mãos, os meus braços. Não vi aonde estavam os meus lábios, nem o meu corpo. Estariam do outro lado da objectiva à tua espera. À espera que cessasse esta tua necessidade de te mostrares ao mundo. Essa necessidade que ainda não sentes por mim…

Depois caí, bem em cima da minha realidade. A realidade que te vê, mas não te respira. A realidade que me liga a ti, mas que te prende numa ausência de mim. A realidade que te diz que ainda te procuro, mas que elimina a resposta. É esta a justificação, não? É por isso que não me respondes? Alguém te prende o sentido e a direcção e não te deixa regressar a este lugar de partida. Ou… ou serás mesmo tu, tu que não me respondes. Tu que sorveste o último gesto que tirou a fotografia? Responde-me. Foste tu que te demitiste da direcção do meu olhar? Foste? Responde-me.


(Responde-me: aonde estás?)


A.R.

sábado, março 27, 2004

(Des)Sonho

Havia um sonho que estava para morrer estes dias, mas consegui escapar às garras de um desejo mal controlado, ou, para não mentir, de um desejo sem destino nem lugar. O desejo eras tu. Tu, que ainda não tens forma ou espaço, local ou impressão, odor ou marca. Tu, que ainda não existes para os meus olhos. Tu, que respiras e vives a descompasso. Tu, que vives na distância entre o meu segredo e a tua representação. Tu, que és a ideia que ainda não tive nos espaços brancos da ilusão experimentada.

Existo neste texto, nesta frase que ainda não sei como vai ou há-de acabar. Devo colocar mais um verbo; um adjectivo; talvez advérbio que demonstre a inutilidade de te procurar. Agora. Sempre. Continuamente. Incessantemente. Desesperadamente. Talvez um nome – o teu, que é coisa para me fazer chorar.

Não sei porque continuo neste exercício de puro retorno, de pura representação vazia, de puro esquecimento. Preso entre o limiar da tua figura e o principiar do teu toque imaginado, incompleto. Preso a um lamento que nunca há-de chegar aos teus ouvidos, tapados que estão pelo meu silêncio.

Hoje não quero poemas, nem cartas de amor. Hoje não quero segredos ao ouvido, os teus dedos pesados na minha pele, os teus olhos nos meus lábios. Hoje não quero sentir o teu corpo a gerar calor junto ao meu, a tua mão a escorrer pelo meu peito, o teu olhar doce e impreciso sobre a minha face. Hoje não quero um filho teu. Hoje quero a dor de não te ter. De te querer e não poder. A dor de saber que estás para além das minhas mãos e de mim e de tudo aquilo que construí para nós. Hoje quero a tua distância, medida e corrigida pelo meu sangue que ainda ousa correr. Hoje quero o medo de te perder por entre os meus olhos fechados e as minhas mãos aconchegadas… Hoje não quero que o sonho sobreviva.

Hoje é menos um dia do que ontem e isso conforta-me. Conforta-me saber que existe mais história, mais tempo entre o momento em que te inteiraste deste corpo e o instante em que o perdeste. Conforta-me saber que talvez que me possas ter esquecido pelo caminho, quando largaste a minha mão. Conforta-me saber que estou muito próximo da cegues, de uma existência que se subtrai de ti. De uma existência que me privilegia, sublime. Conforta-me sentir que não te sinto. Conforta-me saber que não estás em mim, como antes…

Mas, hoje é muito, muito menos que o amanhã, quando o amanhã é sem ti.

(Aonde estás?)


A.R.

sexta-feira, março 26, 2004

Estes últimos dias que se demoram no meu corpo em nada se assemelham aos mais passados. Estão preenchidos de dúvidas, de hesitações, de desejos escondidos que nem sei se são desejos ou se estão sequer escondidos.

A única coisa que sei é que me encontro em tumulto, em suspensão. Quebrou-se a (ténue) ligação entre a minha consciência e a fina agudeza dos dias. O trabalho não rende; o sonho não rende; o respirar não rende; a escrita não satisfaz. Parte de mim partiu para um destino que não concebi, para um mundo que não criei. Parte de mim partiu para um sonho que ainda não acordou. Parte de mim partiu para ti e eu não sei que fazer para me resgatar…

E tu, aonde estás? Aonde te escondes? De onde controlas esta sede que não ouso nomear. Este vão sentimento que recuso soletrar com medo de uma existência mais real. Sei que sou a tua representação e nada mais. Uma possibilidade de história como uma outra qualquer… Sou o discurso marginalizado, a versão não autorizada. A palavra feita silêncio. Tu é que produzes o sentido e eu, efémero, leio-te o significado. Não percebes que eu sou a sílaba que te falta. O verbo que te incompleta a acção. O nome que te recusa a existência.

Sim, sou tudo isso e muito mais… Mas neste canto do mundo, onde a luz se recusa entrar, esqueço- me de tudo isto e volto ao princípio onde tu não eras mais que uma sombra. Uma luz que ainda podia apagar. Um murmúrio que se esbatia num promontório de possibilidades. Volto ao momento em que este texto não existia, nem a possibilidade de o apagar da memória e das pontas dos dedos. Volto ao momento em que as lágrimas se estrangulavam ao principiarem. Volto, só não sei por quanto tempo…


Aonde estás?...



A.R.

quinta-feira, março 25, 2004

A procura

Estende a mão e procura-me
Procura entre os presentes que não chegaste a receber
Procura entre os berlindes que nunca jogaste
Estende a mão e sente-me
Sente-me a querer-te mais perto
Sente-me a querer-te por inteiro
Sem reservas e preterições
Sem registos ou ofícios
Sem o que está para além de mim
Sem nomes ou passados que nem sei se existiram
Vai, procura-me em silêncio,
Que estarei entre o teu gesto e o meu recuar,
No canto mais escuro do mundo
Muito, muito, muito quieto, não vá ser necessário escutar-te…

A.R.

E pronto, foi assim que comecei...

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