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segunda-feira, novembro 08, 2004

a casa, parte 3

Está frio, aqui, bem aqui, ainda que os meteorologistas digam que faz frio lá fora. Faz sempre frio quando entro neste quarto, neste quarto que fica dentro desta casa. Faz frio do lado desta portada que me tem acompanho nestes últimos dias de trabalho sem descanso, sem folgas, sem tréguas e sem absolvição… Ao frio já eu me habituei de tanto batalhar com eliminação da sua possibilidade, mas a esta chuva que aqui se completa não há maneira de me habituar.
Já não há o teu cheiro pela casa, mas também nunca o houve. Porém, sei que se quisesses esta poderia ter sido a tua casa, a nossa casa. A casa aonde aprenderíamos a ser felizes, um com o outro. Eu contigo e tu sempre a meu lado, à mesa, no carro, na cama…

Continuo a habitar a nossa casa (sim! ainda continuo a fingir que é a nossa casa…), mas já não durmo no mesmo quarto. Aquele que havia de nos conhecer, reconhecer cada pegada nossa, cada desfiar de roupa imprevista e revista, por entre a cama de estrado e lençóis – objectos únicos e os únicos que permitimos à existência daquilo a que depois de lutas de braços, de beijos e olhares entendemos como casa. Ainda dói saber que nunca mais vais agarrar os meus pulsos (com aquela força que chegou a assustar-me) e exigir de mim mais um beijo, como se os outros que se demoraram pela tarde não tivessem chegado. Algures no meio daquela conversa que nenhum de nós começou, disseste que não me queixasse das impressões digitais que insistias em deixar em mim, pois um dia poderia desejar voltar a ser criminoso e tu não irias lá estar para me prender. Pois bem, esse dia chegou. Chegou hoje, chegou ontem e nos dias que precederam o ontem e tenho a certeza que também vai chegar amanhã. Vai chegar mal eu poise o olhar no frio que deixaste nesta casa. Naquela cama que ainda não ousei desfazer. Naquela sweat-shirt que elogiaste. Nos lábios que soubeste humedecer. No olhar que encheste de luz, quente e cheia, numa tarde que nunca mais conseguiremos duplicar, pois perdemos os moldes daquilo que ainda seguro e protejo debaixo da palavra amor.

Que fizeste aos dedos que sabiam navegar entre o teu desejo indefinido e a minha desconfiança comprometida? Que fizeste à vontade que me prendou ainda sabendo que me haverias de sugar a racionalidade e a força? Que fizeste às chaves da casa que agora tenho de devolver? As janelas já estão fechadas. Os móveis inexistentes já estão cobertos. As contas que nunca abri também já estão pagas. As plantas desistiram de esperar e foram plantar outro jardim. As flores murcharam. Tirei os lençóis da cama… (pareceria mal deixar ali as marcas do nosso suor) e o algum amor que ainda se arrastava pelas tábuas do estrado. Os novos habitantes podem não gostar desta nossa decoração minimalista, mas que a mim sempre sobejou. Deixei apenas o despertador ligado, não vá ser necessário acordar deste pesadelo que soubeste e ainda sabes fazer real.

A velha vizinha pergunta: vai-se mudar? Respondo: …Por que é que não nos dizem ali e naquele momento que nos vão fazer sofrer como nunca sofremos antes? Para que pudéssemos, assim, fugir dali sem nunca olhar para trás e para todo o sempre. Fugir, enquanto a linha continua rectilínea não tomasse a tua forma e a nossa...

Recuperei o olhar e fechei a porta, à chave.

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