[shineooo2@hotmail.com]

terça-feira, novembro 30, 2004

no início da palavra

Vou guardar o início da palavra para mim e só para mim… As vozes à minha volta são vis, mesquinhas, tão, tão pequenas… Dizem que sou o mau da fita, arrogante, que corrompo o equilíbrio da amizade. Dizem que não chego, que não sou aquele, o quadro exacto com medidas exactas na parede exacta. Dizem que não sou o espelho, o reflexo de umas mãos que nunca cultivei, de umas mãos que sentiram o peso do amor… de umas mãos que nunca sentiram a textura do gesto e da imaginação, a largura da palavra. Da palavra deles. Da solução deles. Dizem que não sei escutar o voo encantado dos pássaros do sul… Mas se assim o é por que é que estas lágrimas ameaçam migrar para o gesto que ainda não abandonou o meu coração e as palmas das minhas mãos. Abertas. Fixas. Como é que se pode dizer ser assim: roubar o último fôlego que guardamos para continuar a viver.

Sinto a falta daquelas mãos, daquelas mãos que nunca existiram. Daquelas mãos que haveriam de me vir salvar desta casa que não é minha mesmo que o meu nome figure no contracto… Umas mãos que imagino todos os dias, dias a entrarem por esta janela que não ouso abrir, não vá o mundo entrar. Tantas vezes soube secar e beber as lágrimas alheias, mas estas que agora se subtraem a meu olhar quem as há-de vir regar?

Não choro fisicamente. Seria um verdadeiro desperdício. Choro por dentro, onde dói mais. Onde tenho de apagar as pessoas que entretanto foram ganhado saliva nos caminhos das minhas palavras. Choro aqui, aqui mesmo, no local da absolvição, no local aonde o mundo não entrou. Alguém, descuidado deixou a porta aberta e o frio entrou, sorrateiro e enunciado… Fixo e aglutinador. E eu, eu fiquei a ver os limites da imaginação a ceder ao espaço que não tem o meu nome, o meu sangue. Agora vai ser preciso amputar, desligar a corrente de sonhos que ninguém sabe colorir. Que ninguém sabe encontrar. Que ninguém sabe realizar.

No início da palavra eu hei-de dizer, fixo e de mãos abertas: quem há-de vir salvar o meu coração das lágrimas abertas pelo gesto de um mundo por desenhar. No início da palavra em hei-de querer o dobro do amor do dia de ontem (terá sido ontem?). No início da palavra eu hei-de fazer o aposto do sopro do nosso olhar. No início da palavra eu hei-de sentir o peso da tua mão no meu pescoço a convidar-me a habitar, novamente, a casa da minha avó…

Quem me dera ter a chave da porta do meu quarto…


Sem comentários: