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quarta-feira, março 31, 2004

Partida

Hoje parto. Parto em busca de ti. No fundo da linha. Da imaginação.
Não tenho fundo nem destino. Apenas corpo em espuma que espera o rebentar.
Vou que o tempo urge e ainda tenho que me transformar nesse ser que te quer receber. Ver. Encontrar.
Vou e não olho para trás. Sigo o cheiro que se vai adensar. No caminho. Pelo caminho. Ao olhar
que me liga e me prende em ti.
Vou e sonho em ficar. Vais lá estar? À minha espera? Mudo e fixo. Expectante e meu.
Vai, vai-me ver chegar para que eu possa partir mais depressa.

(Estou aqui e aí...)


A.R.

terça-feira, março 30, 2004

Presença

Sei aonde estás, sei aonde respiras. Sei aonde moras. Moras aqui ao lado, bem perto de mim. Basta um suspiro para que eu te acorde. Basta um abraço para sentires que te quero. Mais do que ontem, menos do que amanhã. Sei, sei tudo isto, mas não vou contar. Vou guardar-te para mim. Como quem guarda a última fotografia, a fotografia do olhar. Anseio pelo amanhã, pelo teu acordar. Mais completo, menos distante, mais meu. Anseio pela tua presença. Aqui. Desse lado. A meu lado. Em mim. Anseio pela pergunta, anseio por ti, anseio por nós. Anseio.


(“Aonde estás?” Não fui eu quem perguntou, mas respondo – estou aqui.)



A.R.

segunda-feira, março 29, 2004

Perfeição sensorial

E ali fiquei perante o texto. Presente e virtual. Fixo. Completo. Perante um texto que se construiu e se assinalou ante meus olhos, em sangue. Quedo e mudo, sem que a respiração sobreviesse. Latente tentação de interpretar, de te interpretar. De te ler o pensamento fixo na retina e no gesto (ainda) contido e que ameaça contingência e efemeridade. Rio que secou, mas que ainda corre para o mar.

Eu vou nesta perfeição sensorial, em busca dos barcos que ainda se apetrecham nos cais. Vou em demanda do rebentar das ondas que ainda não se fizeram mar. Perseguirei os sonhos que ainda não se projectaram no limite imóvel e ignorado do pensamento pueril e insuficiente. Vou agarrado ao olhar. Ao fogo de visões que rebentam no cumprimento de mim. Entre mim e a representação possível. Vou cego e irreal no olhar, com o olhar, debaixo do olhar. Vou procurar-te, pois sei aonde estás.


(E tu, saberás reconhecer-me?)


A.R.
Fotografia do olhar

No limiar daquilo que quero dizer está o desejo secreto de te querer. De te abraçar ainda que não existas na mesma contingência temporal que a minha. És ainda aquela representação que não ouso trazer para a luz dos meus olhos e dos meus sentidos. Não sei quanto tempo poderei aguentar esta ausência de ti, agora que o fogo se adensa a meu corpo, à minha voz trémula que te chama em silêncio precavido e fragmentário. Estarás tu pronta para me tocar, ardente e reticente? Tocar um corpo, uma alma aos pedaços, em ruína de sentidos. Um corpo que ainda não se construiu de ti e para ti. Uma agenda de emoções e desejos que não desejo nem consigo revelar.

Hoje ousei olhar a tua fotografia, a tua representação histórica. Eras tu que lá estava, reconheci-te, mas estavas incompleta, menor, muito para além das memórias dos nossos dias. Não vi aonde estavam as minhas mãos, os meus braços. Não vi aonde estavam os meus lábios, nem o meu corpo. Estariam do outro lado da objectiva à tua espera. À espera que cessasse esta tua necessidade de te mostrares ao mundo. Essa necessidade que ainda não sentes por mim…

Depois caí, bem em cima da minha realidade. A realidade que te vê, mas não te respira. A realidade que me liga a ti, mas que te prende numa ausência de mim. A realidade que te diz que ainda te procuro, mas que elimina a resposta. É esta a justificação, não? É por isso que não me respondes? Alguém te prende o sentido e a direcção e não te deixa regressar a este lugar de partida. Ou… ou serás mesmo tu, tu que não me respondes. Tu que sorveste o último gesto que tirou a fotografia? Responde-me. Foste tu que te demitiste da direcção do meu olhar? Foste? Responde-me.


(Responde-me: aonde estás?)


A.R.

sábado, março 27, 2004

(Des)Sonho

Havia um sonho que estava para morrer estes dias, mas consegui escapar às garras de um desejo mal controlado, ou, para não mentir, de um desejo sem destino nem lugar. O desejo eras tu. Tu, que ainda não tens forma ou espaço, local ou impressão, odor ou marca. Tu, que ainda não existes para os meus olhos. Tu, que respiras e vives a descompasso. Tu, que vives na distância entre o meu segredo e a tua representação. Tu, que és a ideia que ainda não tive nos espaços brancos da ilusão experimentada.

Existo neste texto, nesta frase que ainda não sei como vai ou há-de acabar. Devo colocar mais um verbo; um adjectivo; talvez advérbio que demonstre a inutilidade de te procurar. Agora. Sempre. Continuamente. Incessantemente. Desesperadamente. Talvez um nome – o teu, que é coisa para me fazer chorar.

Não sei porque continuo neste exercício de puro retorno, de pura representação vazia, de puro esquecimento. Preso entre o limiar da tua figura e o principiar do teu toque imaginado, incompleto. Preso a um lamento que nunca há-de chegar aos teus ouvidos, tapados que estão pelo meu silêncio.

Hoje não quero poemas, nem cartas de amor. Hoje não quero segredos ao ouvido, os teus dedos pesados na minha pele, os teus olhos nos meus lábios. Hoje não quero sentir o teu corpo a gerar calor junto ao meu, a tua mão a escorrer pelo meu peito, o teu olhar doce e impreciso sobre a minha face. Hoje não quero um filho teu. Hoje quero a dor de não te ter. De te querer e não poder. A dor de saber que estás para além das minhas mãos e de mim e de tudo aquilo que construí para nós. Hoje quero a tua distância, medida e corrigida pelo meu sangue que ainda ousa correr. Hoje quero o medo de te perder por entre os meus olhos fechados e as minhas mãos aconchegadas… Hoje não quero que o sonho sobreviva.

Hoje é menos um dia do que ontem e isso conforta-me. Conforta-me saber que existe mais história, mais tempo entre o momento em que te inteiraste deste corpo e o instante em que o perdeste. Conforta-me saber que talvez que me possas ter esquecido pelo caminho, quando largaste a minha mão. Conforta-me saber que estou muito próximo da cegues, de uma existência que se subtrai de ti. De uma existência que me privilegia, sublime. Conforta-me sentir que não te sinto. Conforta-me saber que não estás em mim, como antes…

Mas, hoje é muito, muito menos que o amanhã, quando o amanhã é sem ti.

(Aonde estás?)


A.R.

sexta-feira, março 26, 2004

Estes últimos dias que se demoram no meu corpo em nada se assemelham aos mais passados. Estão preenchidos de dúvidas, de hesitações, de desejos escondidos que nem sei se são desejos ou se estão sequer escondidos.

A única coisa que sei é que me encontro em tumulto, em suspensão. Quebrou-se a (ténue) ligação entre a minha consciência e a fina agudeza dos dias. O trabalho não rende; o sonho não rende; o respirar não rende; a escrita não satisfaz. Parte de mim partiu para um destino que não concebi, para um mundo que não criei. Parte de mim partiu para um sonho que ainda não acordou. Parte de mim partiu para ti e eu não sei que fazer para me resgatar…

E tu, aonde estás? Aonde te escondes? De onde controlas esta sede que não ouso nomear. Este vão sentimento que recuso soletrar com medo de uma existência mais real. Sei que sou a tua representação e nada mais. Uma possibilidade de história como uma outra qualquer… Sou o discurso marginalizado, a versão não autorizada. A palavra feita silêncio. Tu é que produzes o sentido e eu, efémero, leio-te o significado. Não percebes que eu sou a sílaba que te falta. O verbo que te incompleta a acção. O nome que te recusa a existência.

Sim, sou tudo isso e muito mais… Mas neste canto do mundo, onde a luz se recusa entrar, esqueço- me de tudo isto e volto ao princípio onde tu não eras mais que uma sombra. Uma luz que ainda podia apagar. Um murmúrio que se esbatia num promontório de possibilidades. Volto ao momento em que este texto não existia, nem a possibilidade de o apagar da memória e das pontas dos dedos. Volto ao momento em que as lágrimas se estrangulavam ao principiarem. Volto, só não sei por quanto tempo…


Aonde estás?...



A.R.

quinta-feira, março 25, 2004

A procura

Estende a mão e procura-me
Procura entre os presentes que não chegaste a receber
Procura entre os berlindes que nunca jogaste
Estende a mão e sente-me
Sente-me a querer-te mais perto
Sente-me a querer-te por inteiro
Sem reservas e preterições
Sem registos ou ofícios
Sem o que está para além de mim
Sem nomes ou passados que nem sei se existiram
Vai, procura-me em silêncio,
Que estarei entre o teu gesto e o meu recuar,
No canto mais escuro do mundo
Muito, muito, muito quieto, não vá ser necessário escutar-te…

A.R.

E pronto, foi assim que comecei...