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sábado, março 27, 2004

(Des)Sonho

Havia um sonho que estava para morrer estes dias, mas consegui escapar às garras de um desejo mal controlado, ou, para não mentir, de um desejo sem destino nem lugar. O desejo eras tu. Tu, que ainda não tens forma ou espaço, local ou impressão, odor ou marca. Tu, que ainda não existes para os meus olhos. Tu, que respiras e vives a descompasso. Tu, que vives na distância entre o meu segredo e a tua representação. Tu, que és a ideia que ainda não tive nos espaços brancos da ilusão experimentada.

Existo neste texto, nesta frase que ainda não sei como vai ou há-de acabar. Devo colocar mais um verbo; um adjectivo; talvez advérbio que demonstre a inutilidade de te procurar. Agora. Sempre. Continuamente. Incessantemente. Desesperadamente. Talvez um nome – o teu, que é coisa para me fazer chorar.

Não sei porque continuo neste exercício de puro retorno, de pura representação vazia, de puro esquecimento. Preso entre o limiar da tua figura e o principiar do teu toque imaginado, incompleto. Preso a um lamento que nunca há-de chegar aos teus ouvidos, tapados que estão pelo meu silêncio.

Hoje não quero poemas, nem cartas de amor. Hoje não quero segredos ao ouvido, os teus dedos pesados na minha pele, os teus olhos nos meus lábios. Hoje não quero sentir o teu corpo a gerar calor junto ao meu, a tua mão a escorrer pelo meu peito, o teu olhar doce e impreciso sobre a minha face. Hoje não quero um filho teu. Hoje quero a dor de não te ter. De te querer e não poder. A dor de saber que estás para além das minhas mãos e de mim e de tudo aquilo que construí para nós. Hoje quero a tua distância, medida e corrigida pelo meu sangue que ainda ousa correr. Hoje quero o medo de te perder por entre os meus olhos fechados e as minhas mãos aconchegadas… Hoje não quero que o sonho sobreviva.

Hoje é menos um dia do que ontem e isso conforta-me. Conforta-me saber que existe mais história, mais tempo entre o momento em que te inteiraste deste corpo e o instante em que o perdeste. Conforta-me saber que talvez que me possas ter esquecido pelo caminho, quando largaste a minha mão. Conforta-me saber que estou muito próximo da cegues, de uma existência que se subtrai de ti. De uma existência que me privilegia, sublime. Conforta-me sentir que não te sinto. Conforta-me saber que não estás em mim, como antes…

Mas, hoje é muito, muito menos que o amanhã, quando o amanhã é sem ti.

(Aonde estás?)


A.R.

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