[shineooo2@hotmail.com]

terça-feira, julho 27, 2004

E depois do Adeus, que fica? Que pode ficar? A que rasto de poeira e de sombra ainda nos podemos agarrar, quando o fito no horizonte já não existe. Quando o próprio horizonte já não existe. Quando o principiar que em ti tinha origem já se extinguiu para os lugares que me escapam à visão. Que fica depois de ti, que fica depois de mim sem ti, que fica do mundo sem nós? Que fica dos planos que fizemos sem que o tempo pesasse como pesa agora?

O que mudou, o que não permaneceu? O que não bastou em mim? O que não bastou nos meus gestos, nos meus braços e mãos que te procuravam incessantemente. Na minha boca que insistia em te procurar mesmo que de ti nada mais existisse que a efemeridade de um beijo. No meu corpo existia um fogo, uma vontade que não controlei; um projecto que se completa em ti; um curso, um destino, um trilho definido que te procurou, e que espera morrer no render final dos teus sentidos, quando todos eles, em uníssono, se convencerem da inutilidade de uma existência solitária. De uma existência que não me contempla, que não me inclui, que não me permite deixar permanecer na quietude do teu ser, quando todas as luzes se apagam e tu voltas a ser quem sempre foste – uma outra parte de mim.

É aí que te conheço, que te reconheço, pelo cheiro, pelo toque, pelo sabor. Sabor a fogo das tuas lutas com o meu corpo, com o meu querer, com a minha existência a querer cercar a tua. É aí que me desconheço, que me estranho, que me apago na presença de algo maior, de algo que não cabe na minha mão de rios e marés, de algo que prende e me sufoca, de algo que me exige e me extingue. É aí, depois de tudo estar perdido, à deriva, depois de tudo se ter esvaziado, perdido o nome, que tu te revelas, como a aurora que se principia e vai bater na lua, que a espera diária e incessantemente. É neste preciso momento que tu caminhas para mim, que moldas as correntes e marés que te tentam abraçar, que te infiltras em todas as cavernas e destinos que conheces de cor, que me desgastas, outra vez, sem culpa nem remorso, com esse teu olhar de erosão, que planta em mim o deserto. É aí que tu és tu, e eu não sou mais do que um reflexo de ti. É aí que tu me exiges a rendição, mental e corpórea. E eu, eu desisto, desisto de mim. Desisto das minhas mãos de água, dos meus oceanos que tão bem te conhecem, dos meus sentidos que ainda resistem ao último ataque teu. É aí que tu existes toda e única, e só para mim.

E nesse momento, no final do exercício da paixão, em que o meu ser acaba e o teu sobeja, aí eu morro e desapareço nos teus braços e nas tuas mãos, em pura rarefacção do gesto. Mais do que isto não sei. Mas do que isto é pedir que te defina, que te enumere, que te reduza ao movimento contínuo do tempo, a cada hora que recuso admitir, reconhecer; é pedir que me afaste de ti, para que te possa ver, sem o meu corpo que te cobre; é pedir que respire outro ar que não o teu; é pedir que partilhe outro espaço que não este, tão cheio de ti; é pedir que enlouqueça mais cedo do que o previsto. É pedir que abra as minhas mãos, correntes que semeaste e moldaste, e te deixe ir, livre e identificável, para longe desde mundo que se inaugura a cada palavra tua. É pedir que renuncie ao teu sorriso que me constrói e me segura. É pedir que depois do Adeus, não me possas levar contigo…

Mas tu já não procuras o que aprisionaste, já não me procuras debaixo dos lençóis ou entre as curvas do teu corpo. Já não tratas de mim como antes. Já não me tratas por ‘Tu’… Já nem sequer te conheço. Penso que nunca te conheci. Enches-me de nada e isso, por incrível que pareça, é o suficiente. Já nem sei quem és, de onde vieste. Apaguei-te, apaguei-te em vários sítios. Do amor, da pele, dos gestos, do olhar. Apaguei-te mesmo por entre as promessas que fizemos um ao outro… E apaguei, num risco de loucura, todos os silêncios que sempre deixaste que te substituíssem.

E o recado vai, agora, na volta do vento e do tempo. Um tempo que já não existe mas que vou guardar no fundo da algibeira, preso a mim, a ti e, se bem me lembro, a nós. Foi tudo muito bonito e isso, afinal, foi o que sempre contou e contará, mesmo no tempo mais conjugado no passado. Sem dor, culpa ou remorso. Não me posso arrepender de ter sido feliz nem me posso arrepender de ter sido mais do que alguma vez fui. Não me posso arrepender de ti. Nem agora nem ontem nem amanhã. Nem no passado mais passado. Nem no meu nem no teu. Só me arrependo de não ter visto para além de mim. Para além de tudo que não me incluía. Para além deste olhar que mal te atravessou…

Por favor, façam silêncio. Em flor, aqui bem ao lado, em mim. Em sorriso. Escuta, pode ser que me consigas ouvir…

Sem comentários: