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segunda-feira, julho 19, 2004

Outras Mãos
 
Nunca pensei que outras mãos pudessem repetir e ressuscitar os mesmos sentimentos, a mesma alteração de olhar, o mesmo movimento contínuo do coração. Aquele salto de criança que ainda não sabe nem suspeita que o mundo não cabe na palma da mão. Foram outras mãos, bem outras que hoje me construíram sem ruído ou silêncio, sem fogo ou clarão. Entre ti e eu houve notas de respiração que me apagaram o gesto que se temeu a sobreviver diante daquilo a que depois do beijo chamamos teu rosto.
 
A cor do meu olhar esbateu-se num comprimento de chão que logo ali inventamos, mal nossos corpos se tocaram. Senti a terra debaixo de mim e logo depois grãos de areia na tua mão que espalhaste pelo meu corpo ainda quente. Quente de ti. Gosto do teu olhar em mim, sem pecado, sem exigência, sem nenhum pedido que me faria mudar de nome. O meu ou teu, ainda não sei. Gosto que me guardes dentro de ti, embrulhado pelo meio dos teus dedos que se aconchegam ao pé do meu rosto. A última morada do nosso segredo que só ainda contamos um ao outro…
 
Levantei-me como quem se levanta do sonho, do meu sonho, e vi-te ainda dormir, agarrado ao meu corpo. Ao último bastião que pensas que podes compreender e salvar. Gostava tanto de te contar a verdade sobre mim… e sobre as minhas mãos que não te largam e te respondem. Em sobressalto, em sintonia, em movimentos que se quebram aos pares. A verdade sobre a música que tive que te traduzir. Vais também traduzir o teu último gesto da noite para mim ou vais-me guardar num local ainda mais fundo? Num lugar aonde o tempo e o espaço são meras notas de uma música que encostamos ao ouvido e ao olhar, ao caminho, o nosso. Uma música que ainda ouço depois dos olhos abertos e da roupa vestida. Depois de mim, de ti e dos nossos gestos. Gostava tanto de caminhar contigo até ao mar e dizer-te por detrás de uma onda, bem perto das tuas mãos, que ainda não sei como se chama o mar que nos viu nascer. A viver. Gostava tanto de te encontrar um dia destes embriagado pelo dia e ser possível dizer-te o que faltou dizer: eu sou feito de mim. Teme-me assim e nunca mais de outra maneira…
 
Mas tu dizes que não desistes, nem de mim, nem de ti, nem dos grãos de areia que entretanto se infiltraram na corrente do gesto e da saliva. Será que também não vais de desistir de nós? Será que não vais desistir de nós quando o sol nascer, quando o gesto humano rarear, quando eu for menos do que foi hoje, quando te perguntarem o meu nome? Quando te disserem, muito baixinho “Sei o teu segredo!...”. Será que não vais desistir de nós quando eu recusar o amor e a ti? Será que ainda sei o caminho para a tua casa?... Será que vou voltar a ver outra vez as tuas mãos? Será que ainda te reconhecerei? Será?, outra vez…

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